segunda-feira, 17 de abril de 2017

" TOMBO"

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Em cada porta fica escancarada uma estrela.
Eu brinco com as estrelas
rangendo as portas;
elas me dizem tudo...
Mas dentre todas, a que mais me importa
é aquela que me transporta
fazendo-me crer que estou voando
até quebrar todas as minhas asas;
e a cair feito um burro-que-nem-uma-porta,
mas por dentro livre e feliz,
porque catei no chão a minha alma morta!

 JOSÉ AGNALDO FOGAÇA

ASA CAETANA


Fito a penumbra do teu corpo atlético no avesso
tentando ser Desi Arnaz em sonhos hollywoodianos
sem nenhum complexo de mãe parda 
fazendo com seu sorriso mago um pouco de Princesa Narda.

Olho-te na intolerância dos gestos brutais
nos seus ataques hipocondríacos,
no teu sorriso que nasceu para encantar serpentes
perdido entre trevas do paraíso
tateando o frescor da luz incandescente.

Planejo então tua morte, sentindo a fome horrível da Etiópia...
e, fingindo entre lascívias e tecidos de organdi,
ser um trovador arrebatando a serenata!
E esquecendo por um breve instante a pauta infeliz
ao possuir em espermas caros a alma livre de uma meretriz!

Ouço tua voz meio rouca de menina-moça,
louca, que perdeu a virgindade
no estranho acidente de fazer amor!
E que sucumbe rindo estéril,
estraçalhada pela própria dor...

Suo frio, depois estuporado no meu instinto matemático,
quando noto que alguma coisa te acontece...
excitando teu lenço de voal quase a voar rumo ao orgasmo... 
e o meu medo é tão algoz que não percebo na mesma hora
o Brasil no chão, de quatro, bebendo Coca-Cola!

Aí quero me lembrar das rimas de versos do amanhã
catados no meio de lixos atômicos
e martirizados no alto de alicerces desmoronados!
E teu rosto me chega estranho, desenhado nos muros!
Caetano... Velô como colibri
cantando mudo um "Sampa" dilacerado! 

JOSÉ AGNALDO FOGAÇA

sábado, 15 de abril de 2017

"VISITA"

(ao meu grande amigo Carlos Alberto Guimarães Rosa, cidadão do mundo

Te vejo sempre, invisivelmente,
no meio da saudade...
E nunca consigo te ver como o menino que um dia abracei
pelas ruas pequeninas
desta nossa Aldeia!

Te vejo homem, agigantando-se no meio da saudade...
Com louros na cabeça...
voltando para nossa Aldeia!

Invisivelmente, passeando pelas nossas ruas pequeninas
e me abraçando como se fosse eu o menino,
caducando... no meio da Saudade!

JOSÉ AGNALDO FOGAÇA
 

"CHICO MENDES"


Gritos alados
levantando os braços enferrujados
no meio de arbustos sombrios
e sentindo o frio na espinha dorsal!
Pés de barbas de bode enegrecidas
dançando no ritmo arguto do fogo canibal!

Gritos alados
espreitando a floresta indefesa
e aguardando, resfolegados, a sombra de um assobio -
assistindo sequoias centenárias gritando ao vento 
e beijando o chão cheirando a cinzas...

Gritos alados
chorando a saudade crucial dos passarinhos
erguendo as casinhas de joão-de-barro
no balançar frêmito dos cataventos angustiados!

Gritos alados
esvaindo o seu sangue nas motoserras esquivas
e deixando seus pedaços em serras elétricas pontiagudas!

Gritos alados
perdendo-se nos rios secos e nas margens empoeiradas 
ainda tentando encontrar um mar de olhos conscientes!

Gritos alados
navegando em folhas de flores secas
e chegando ao topo do mundo, incrédulos,
onde ecoam tristemente, em vão
pela surdez inválida dos homens - abutres da Terra!

JOSÉ AGNALDO FOGAÇA

OBS: Poema construído por ocasião da morte de Chico Mendes (1988)

" SEMÁFORO"


Passos largos
na Avenida urbana
desviando-se das flores
nas calçadas,
brotadas nas mãos esquálidas
de crianças sem dono!
Cheiro horrível de Primavera
em abandono...

Correrias, tiroteios, bolsas rasgadas,
sangue e morte no chão indecifráveis...
O sorriso calando tudo... mudo!
A paz da fome finalmente saciada...
e, novamente, o medo de caminhar...
Passos largos na Avenida urbana!

JOSÉ AGNALDO FOGAÇA

O ASSESSOR LEGISLATIVO


GUINA CANTANDO "ZAGA"


quinta-feira, 13 de abril de 2017

FÁBULA DO ABSURDO

João-ninguém, sedento de fome, um dia foi pego roubando uma galinha.
A dona do galinheiro, entretanto, era míope.
Fernando Collor de Melo, pós impeachment, foi levado às barras do Tribunal.
A dona do galinheiro, diante do Juiz, ficou com receio de afirmar que o ladrão era mesmo João-ninguém. Disse que não o reconhecia, com certeza absoluta.
Os Juízes do Supremo Tribunal acabaram absolvendo Collor por falta de provas!
O Juiz anônimo não teve dúvidas, mandou prender imediatamente João-ninguém.
Moral da história: lei no Brasil  só funciona para preto e para pobre. Os ricos, e principalmente os políticos sempre acabam apresentando um álibi perfeito!!!

JOSÉ AGNALDO FOGAÇA

"MEMÓRIA DE SANDY TRINDADE"

Quase não conversávamos... mas a última vez em que nos falamos, ele esteve em minha casa.
Usava bermuda soft e brincos na orelha, notadamente bem grungue, combinando com sua jovialidade.
Uma semana depois ouvi boatos que acabaram, tristemente, confirmando-se... Ele havia morrido, vítima de overdose!
Eu nunca soube explicar, mas quando eu era tomado de assalto por uma notícia assim... fatal, o primeiro sentimento que me invadia era o da excitação. 
Ficava naquela ânsia incontrolável de passar a novidade avante, como se a morte fosse alguma boa nova a ser compartilhada.
Hoje, graças a Deus, pelo menos eu consigo me entender: a pseudo - excitação, na verdade, trata-se da celebração de nossa existência, um tributo à vida que nos foi doada pela magnitude de Deus Pai!
É essa dádiva que todos os jovens deveriam entender ao aproximar da boca o primeiro cigarro de maconha; do nariz o primeiro filete de pó de cocaína ou heroína, LSD, crack e outras "bostas que inventaram" (sic) para destruir uma geração que ainda não adormeceu!
Os sonhos precisam ser vivenciados de forma total, sem qualquer espécie de alucinógeno.
É preciso encarar o mundo, o país, os pais, os amigos; enfim, a "divina comédia", sempre com a mente completamente translúcida, com todos os nossos medos e angústias, com todos os nossos erros ou virtudes. (...)
Jamais esquecerei os jovens abestalhados, sentados nas calçadas da rua, aguardando a chegada do amigo dentro de uma esquife, nem tampouco o olhar da mãe tentando agarrar no ar um gesto de consolo!
Dentro da casa, sob a luz das velas acesas, ouço a voz do tio que profetiza: - que pena que sua morte nem ao menos vai servir de exemplo para toda essa Juventude... Ninguém vai parar de usar drogas. O mundo vai apodrecer cada vez mais!
(...) Ele estava coberto de razão.

Pouco tempo depois, vítima de overdose, morreu caído na sarjeta River Phoenix, um dos talentos mais promissores que Holywood jamais conheceu... O jovem "Indiana Jones" que foi o anti-herói de suas próprias desventuras!

JOSÉ AGNALDO FOGAÇA

- crônica publicada no extinto jornal "A Hora de São Miguel Arcanjo", em janeiro de 1998.

"VOO LIVRE"

Vejo agora milhares de formas de liberdade... 
No sol que brilha furtivamente através das folhas de outono e penso: "- Como é lindo e como aquece meu coração! Na estrela pequenina que se acende na imensidão das trevas, e meu coração continua aquecido..."
Vejo a liberdade dentro da imensa saudade que sinto, no sorriso das crianças - que são minhas - e de outras que resplandecem no universo chamado vida... 
Às vezes me encontro timoneiro navegando no Oceano azul engarrafando minha alforria e espalhando mensagens de paz (Procuro a Paz). 
Outras vezes, viro astronauta suspenso por entre constelações e Vias - Lácteas e o céu é profundamente azul...
Me vem à tona imagens de um tempo passado de coloridos multicores, de festas, de abraços demorados, de gestos fraternos, da brisa suave no rosto, e quase tudo me é permitido...
Adoro a tranquilidade da minha esquina preferida e das conversas banais com os amigos que encontro pelas ruas.
Depois volto à rotina, ao arroz com feijão, ao meu dia a dia, e sinto uma saudade terrível do que é comum...
Das janelas abertas, das portas escancaradas, da rede na varanda, dos colóquios e assovios intermináveis com os passarinhos que pousavam leves, todos os dias, quase como um ritual no telhado que cobria todos os meus sonhos...
Recebo notícias de que os passarinhos continuam pousando sobre o telhado da casa, como se aguardassem a minha volta!
Quantas vezes me senti eterno, sem qualquer medo, e inteiro.
Hoje, meus braços acropáticos não alcançam mais as janelas - que existem apenas na minha imaginação, assim como as portas transformadas em grades intransponíveis -...
E ainda flui o imperativo das reflexões, dos erros que não ficam ocultos, dos pecados decifráveis sem os enigmas pueris; e a vontade de voltar atrás, perdida na fronteira da impossibilidade, daquilo que não pode mais ser construído...
Ou terei ainda tempo?!
Meus alforjes são literalmente desumanos, preso sem ser criminoso, ou por amar meus amigos - e como eu os amava, mas mesmo assim, como um milagre - porque o milagre vem do amor, consigo ver agora milhares de formas de liberdade...
No olhar perdido de meu companheiro de cela, e até mesmo em suas angústias.
E tudo é absurdamente erigido em instrumentos de fé...
O acordar sem perspectivas, o ócio da "Oficina do Diabo", as discussões constantes, a custódia do nosso pão de cada dia, e o dormir quase sempre dentro da tribulação...
Todavia, momentaneamente, mas de maneira intensa, volto a ter esperanças - essa gama de  sentimentos insólitos e estranhos que não consegue nunca fracassar...
Vejo, então, os portões abertos, os meus primeiros e últimos passos, e vislumbro outras portas que eu mesmo tentarei abrir com dignidade e confiança, no limiar de um novo amanhã!
Penso, então, que a LIBERDADE é um lugar infinitamente sublime e sem quaisquer limites onde todas as criaturas de DEUS tem asas...
E, que logo, logo, alçarei meu voo...

JOSÉ AGNALDO FOGAÇA 

terça-feira, 11 de abril de 2017

" RESSURREIÇÃO"

Ensina-me a ser a seta do arqueiro valente
que busca o alvo depois da débâcle
sem sucumbir frente a um guerreiro sem alma.

Ensina-me a ser o algoz do medo
antes da aurora boreal
na fuga da sombra fugaz da semente estéril.

Ensina-me a ser o grito amordaçado por fuzis
entre a bruma seca das paredes desmoronadas
sem que eu precise jamais abrir meu olhar
com sede de encontrar um espelho.

Ensina-me a morrer
com a mesma dignidade de meus ancestrais sábios e pacientes
depois do por do sol
sob a luz da consciência.

Ensina-me qualquer canção
que não soe como estrondo de infinitas dores
no meu berço esplêndido de paz.
Mesmo que eu deseje um arco-íris
e consiga apenas a tempestade.

Ensina-me toda força oculta e estranha
além dos limites de minhas entranhas
onde eu possa legar todo meu espírito
escrito nos pergaminhos do amanhã
nas rasuras da Musa Poesia!

Ensina-me tudo isso.
Mas nunca espalhe as minhas cinzas!

JOSÉ AGNALDO FOGAÇA

"LUAS DE FOGO"


Minha cidade de ruas tão pequenas
sem quintais afogados
acolhe corações em fim de jornada,
crianças rotas e arredias,
pescadores simplórios,
heróis de botequim.

Minha cidade de fábricas obsoletas
cheia de boias-frias orvalhados
dorme cedo sem os madrigais de alcova
e nenhum espírito se levanta
enternecido pelas procissões bucólicas
à procura de um nome.

Minha cidade às vezes cheira fezes ressequidas
dos cultivos de meia estação e uvas de festa.
E todo o povo se alimenta de histórias mal contadas
de boatos que criam asas e de lendas
que aqui ganham contornos felinianos
e desfilam pelas estradas carcomidas.

Minha cidade não mora em qualquer mapa
mas abriga impiedosamente o meu sorriso
entre sonhos e receios de futuro
e a vontade sublime de paz
perdida nos bancos vazios das calçadas
evocando estrelas e preces!   

JOSÉ AGNALDO FOGAÇA

domingo, 9 de abril de 2017

" VERSOS FÚNEBRES"

Tenho tanto medo de morrer
e de saber que banharão o meu corpo
com o bálsamo da desventura...
e que alguns rirão do meu pênis turvo e encolhido
feito passas retorcidas numa videira sem vida...
e por saber que estarei indefeso,
e não poderei cobrir minha pele flácida
prestes a se enrijecer.

Tenho tanto medo de morrer
e de saber que vou ficar estático no meio da sala
coberto por flores murchas e de perfumes inodoros,
mãos juntas, petrificadas,
rosto embevecido com a palidez mórbida...

Tendo tanto medo de morrer
e de saber que não ouvirei os elogios
que sempre quis ouvir no meu cotidiano!
O realce dos meus dotes histriônicos,
minha estupenda alegria de viver
e a firula para dizerem que todos os meus defeitos cessaram... 

Tenho tanto medo de morrer
e de saber que eu sou tão feliz...
Não rirei das piadas que contarão ao redor da casa
e nem sentirei o cheiro forte do café no coador
aguardando meus amigos
que certamente, depois, fumarão um cigarro!

Tenho tanto medo de morrer
porque quase não pressinto o meu "Deus",
aquele que devo guardar dentro de mim.
Mas o meu medo mais terrível
é o de não descobrir jamais
porque estou aqui...
respirando sentimentos...

JOSÉ AGNALDO FOGAÇA 

" TESTAMENTO"


Hoje abracei minha ausência,
mas amanhã sei que estarei nos braços
da fantasia,
sem medo algum de morrer na boemia.

Dias de amor me esperam
e eu preciso dessa chama ardente!
Preciso de gente!
Viver como gente!
Construir gente!
Assim, quando eu não for mais vivente,
eu morrerei flor...
E não morrerei semente!

JOSÉ AGNALDO FOGAÇA

sábado, 8 de abril de 2017

" PRECE MIÚDA"

Meu Deus!
Deus de todas as raças!
Salvai as crianças com fome,
nutrindo-as de esperança.
Livrai as crianças das drogas,
alucinando-as com sabedoria!
E fazei com que todas tenham um abrigo
de onde possam olhar os relâmpagos
através das janelas!
E nunca as prive do amor materno,
do cafuné nos cabelos,
das mãos catando suas lêndeas...

JOSÉ AGNALDO FOGAÇA


" BALADA DO CÉU DA BOCA"


Bendito  Povo
Que fuça as latas de lixo
Separando as frutas podres
Os legumes estragados
As alfaces murchas
Pelas feiras da periferia
Nos dias de domingo
Na hora do Sol
Das praias violetas.

Bendito Povo
De miséria ensandecida
Com fome translúcida
Na procissão que avança
Em busca do nada...
Ou do nada que é tudo
Em forma de morte
Onde Deus é o agasalho
A ternura dos malditos!

JOSÉ AGNALDO FOGAÇA

"DOMINÓ"











Existem dentro de mim
dois homens burros de carga:
um palhaço que sorri
e outro sisudo que chora!
No mesmo circo que alimenta
este Brasil que devora.
O que ainda existe dentro de mim 
até jogar "minhas almas" pra fora
sufocando o palhaço que sorria
sobrando apenas o sisudo que chora... 

JOSÉ AGNALDO FOGAÇA

"ASILO"



O véu de toda noite sangrenta
só se rompe quando a juventude barulhenta
invade sua castidade
com risos e canções nos lábios,
sem prestar atenção nos idosos
que lamentam a falta de espírito
amaldiçoados pelo sono da idade!



JOSÉ AGNALDO FOGAÇA

ORAÇÃO PARA TODOS OS PÁSSAROS INCONSCIENTES!

" Somente os pássaros que habitam o céu sabem que são pássaros"

Deixai os pássaros buscarem seus bandos!
Deixai os pássaros ralharem,
Crocitarem,
Graslharem...
Que gorjeiem todos os pássaros
Em bandos/ Arcanjos!

Deixai os pássaros buscarem os pássaros!
Deixai os pássaros voarem,
Pousarem, 
Cantarem,
Possuírem outros pássaros
Em bandos/ Arcanjos!

Que destruam todas as gaiolas!
Que desmontem as arapucas!
Que desfraldem os arcabuzes!
Que morram todas as criaturas de estilingues e capuzes!
Que restem somente os pássaros
Em bandos/ Arcanjos!


JOSÉ AGNALDO FOGAÇA